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Oculto - Parte II

Atualizado: 23 de set. de 2018

A fina chuva daquela triste tarde batia nos vidros de nosso táxi, enquanto seguíamos para Winchester, cidade onde cresci, e achei que nunca mais retornaria.


Não sou de chorar, nunca fui, mas Cecílio foi o homem que me criou, foi meu pai e minha mãe, se alguém poderia tirar aquelas lágrimas de mim, esse alguém era Ele. Acho que foi o homem mais santo que conheci, o único provavelmente, um homem honrado que não merecia este fim.


Durante a viagem, enquanto eu observava as gotas da chuva escorrerem, fazendo daquela janela um quadro de Monet, aquela estranha palavra seguia em minha mente. Eu não sabia quais eram as letras ou ordem que a formava, e mesmo assim, ela continuava a voltar, sussurrada em meus ouvidos em diferentes tons, com diferentes vozes, como se carregasse uma loucura em suas sílabas. Não sabia o seu significado, mas me arrepiava o corpo apenas de imaginar.


- Como tem passado? - Perguntou Erick quebrando o silêncio, sentado no lado oposto do banco.

   

- Bem.

   

- Vamos lá Arthur, você pode fazer mais do que isso. - Claro que eu posso, diga-se de passagem..

- Como vai a vida em Londres? É realmente tudo o que você sempre quis? - A insistência de Erick continuava a mesma de um ano atrás.


- Quer uma confissão Padre?


- Quero que fale comigo como um irmão deveria falar, como quando éramos crianças Arthur, Cecílio se foi e você é a única família que ainda tenho.


Erick podia não ter o mesmo sangue que eu, mas de fato era sim meu irmão, sempre seria, eu o amava e ele sabia disso, porém naquele momento, nada de fato me importava, meu luto fazia com que o mundo a meu redor não fosse nada além de irritantes murmúrios.


- Engraçado não é? - Eu disse então a ele.


- O que?


- Cecílio sempre nos uniu, primeiro quando nos adotou, depois em cada briga que tivemos, e agora por fim, onde teve de morrer para que isso voltasse a acontecer. Será que ele nos observa agora de algum lugar?


- Ele provavelmente zela por nós, independente de onde esteja.


Olhando novamente para a rua, quando o táxi passou por uma igreja, não pude deixar de recordar da voz de Cecílio, contando da noite em que nos encontrou, dizendo que uma chuva como aquela caia. Foi como quebrar o encanto, a palavra por alguns instantes enfim me deixou, e a doce lembrança aqueceu novamente meu coração. Lembro como se novamente ele repetisse para nós:


 "Vocês tremiam de frio, em frente a igreja, na qual na época eu era pároco. Dois bebês recém nascidos, fracos e famintos, não pensei duas vezes antes de levá-los para dentro da aconchegante casa de Deus."



- Não se preocupe Erick, Eu estou bem, mas agora Londres não importa mais para mim. - E não importava de fato. - O que você sabe sobre a palavra que encontraram no corpo de Cecílio, ou as marcas?


- Nada, nunca ví nada parecido antes. Sei apenas que desde que as ví, elas não saíram da minha cabeça, sonho com cada uma delas todas as noite, e acordo com a palavra sussurra em meus ouvidos de diferentes modos possíveis.


Não demorou muito mais para chegarmos, a casa de Erick ficava ao lado da igreja onde ele como padre, exercia suas funções. Passaríamos a noite ali, para então no dia seguinte participarmos do enterro, e pela última vez então, eu poderia me despedir de Cecílio.

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